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    quinta-feira, 1 de outubro de 2020

    [18+] POV para mulheres: por que não?

     


    Desde a pornografia que mostra a visão feminina do sexo, que o sexo em si seja uma expressão também delas

    POV: point of view, um dos gêneros da pornografia que se baseia no ponto de vista de quem está filmando. 

    Esses dias, em uma conversa com meu companheiro, comecei a questionar sobre a falta de representação da perspectiva feminina dentro do cenário pornográfico. É claro que o grande problema da indústria pornográfica é o excesso de conteúdo performático e mecânico no sexo, insensível e não condizente com a prática do sexo em si. Consumimos uma pornografia agressiva, pesada, que objetifica as mulheres e centraliza o prazer no homem. Os filmes, em sua maioria, colocam a mulher numa postura de submissão e dor.

    As mulheres quase nunca recebem sexo oral; os homens sim, em todos, durante vários minutos, e de forma extremamente agressiva. O negócio é fazer com que as atrizes chorem, fiquem borradas de maquiagem e engasgando (com ânsia de vômito) pela força com que o pau é enfiado em suas gargantas. Nunca vi um vídeo em que a mulher filma o cara fazendo sexo oral, mostrando a perspectiva dela, do que ela vê quando está recebendo a chupada. Mesmo nos casos de “mistress” (aqueles vídeos de fetiche em que a mulher faz uma dominadora), a câmera fica no contexto geral e mostra a visão que o homem tem da situação. E não a mulher. Nunca a mulher.

    Nós criamos a pornografia para os homens consumirem e fomos modificando-a da mesma maneira que modificamos as mulheres expostas da mídia, para que se aproximassem cada vez mais de uma perspectiva agressiva e irreal, que satisfaz uma expectativa platônica do que é o sexo e não condiz com a realidade.

    Depois de tudo isso, não fica nada estranho saber que milhares de mulheres não atingem o orgasmo durante o sexo com seus parceiros. Que vários homens não gostam de realizar sexo oral, sentem nojo, ou acham sem graça. Mas gostam de recebê-lo, e fazem questão de que isso aconteça durante suas práticas sexuais.

    Mulheres também gostam de olhar. E ganhar um oral também

    E isso porque criamos uma cena exclusivamente masculina nos filmes pornôs, que vende uma proposta perigosa para os homens que a consomem. E hoje, em uma sociedade que não incentiva o autoconhecimento, isso é extremamente perigoso. É claro que agressores não precisam de pornografia para se tornarem violentos, porém, se há tanta dificuldade de comunicação entre os homens e as mulheres – vide a quantidade de conteúdo em revistas femininas que tenta decifrar os códigos e sinais daquilo que os homens querem dizer para as mulheres que se sentem inseguras para compreender o significado do comportamento masculino – nós fragmentamos o sexo e, sem a comunicação, isso só pode piorar.

    Estamos começando agora – e de forma bem lenta – a incentivar que as mulheres se conheçam fisicamente, que se masturbem, que se explorem. Enquanto os meninos, segundo as pesquisas, começam a consumir pornografia com 10 anos de idade.

    As mulheres vivem relações em que não atingem o orgasmo e se colocam como culpadas por isso. E não é que a culpa seja dos homens, mas se a mulher não consome pornografia com a qual se identifica, não se masturba e se sente insegura em relação ao seu corpo, vai ser difícil receber sexo oral do parceiro e reagir de forma segura e confiante enquanto isso acontece.

    E como proceder, se existe a vontade de se autoconhecer, mas não há estímulo externo a isso? Acabamos consumindo a pornografia feita por e para os homens e, dessa forma, o sexo para nós preconiza o bem estar e o prazer desses homens. E não o das mulheres. Não sei como é para a maioria, mas para mim, sexo bom é bom para os dois (ou três, quatro). E muitas vezes o que escuto dos meus amigos homens é que, para eles, a noite foi ótima, o beijo deu certo, o sexo foi legal, tudo ok. Eles gozam. 

    E as mulheres?

    Bom... 

    Muitas vezes as mulheres do meu convívio nem percebem, mas acabam achando a noite boa pelo que o homem transpareceu achar daquilo. Se para ele foi gostoso, para mim também. Se ele teve prazer, eu também.

    Mas será que eu tive?

    O prazer fica tão centralizado que a maioria quase nem sabe mais o que realmente gosta. E sexo bom acaba sendo sexo em que existe intimidade. Só depois de anos juntos que é possível realmente conhecer o corpo do outro. Concordo que a intimidade auxilia e muito nesse processo de intimidade sexual, mas será que seria necessário tanto envolvimento emocional para que uma noite de sexo fosse satisfatória pra ambas as partes?

    Lembro de um stand-up do Louis C.K. em que ele diz que no fim do sexo os homens reclamam que as mulheres são carentes porque querem ficar abraçadas e trocar carinho, quando na verdade o que as mulheres sentem é tesão, porque elas não gozaram. E, inclusive, ele brinca que se as mulheres gozassem, elas com certeza também dormiriam depois do sexo e também não gostariam de ficar abraçadas ou serem tocadas. Porque – e isso já é uma leitura minha – sexo nós até podemos fazer com várias pessoas, mas não é com todo mundo que depois se dorme de conchinha.

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    A sexualidade é um poder e anular isso em alguém é enfraquecer essa pessoa. Quando nós colocamos os homens como seres sexuais e as mulheres como objetos, consideramos que apenas um dos envolvidos é o sujeito, enquanto o outro está ali para oferecer, para servir, para agradar. Em segundo plano. O prazer fica fragmentado se somente uma das partes o vivencia. E dessa forma todo mundo perde. Porque isso eu posso garantir: é muito mais prazeroso quando a gente vê e sente o outro sentindo prazer também.

    Nesses casos, a insistência, feita da maneira certa, respeitando o espaço da pessoa que está com você na cama, é importante. Se você tentar fazer sexo oral na mulher e ela não deixar, você não deve desistir facilmente. Claro que não estou falando de abuso, nunca – em situação alguma – você deve forçar alguém a receber qualquer estímulo sexual que essa pessoa não queira. No entanto, se abster de tentar tornar a situação mais confortável para o outro é cair na zona de conforto e na indiferença (disfarçada de respeito).

    A diferença é que a maioria das pessoas que se relaciona acaba tendo mais tempo e intimidade pra explorar isso, e o sexo fica mais gostoso assim. Mas e as pessoas que não querem se relacionar, mas ainda assim viver o sexo que seja gostoso? Ou, além disso, que tal tentarmos estimular práticas sexuais saudáveis em que a mulher não precise sentir que tudo foi em vão e que seria melhor ter passado a noite sozinha?

    Grande parte dos meus amigos homens cis-heterossexuais consomem pornografia amadora. E eu acho isso positivo. Eles querem um conteúdo com o qual se identifiquem. Eles querem um conteúdo que se assemelhe a prática do que eles vivem enquanto sexo.

    E nós também.

    Então partimos para a desconstrução e reconstrução da ideia do sexo. E das relações de modo geral. Se nós mudarmos a relação das pessoas com o sexo, nós transformamos as relações. Quem se conhece sabe o que gosta e sabe o que quer. E se permite também descobrir mais com o outro.

    Não é fácil nos autoconhecer – vide a quantidade de pessoas que tem medo de fazer terapia. Agora imagine fazer terapia tentando impressionar a pessoa que o analisa de que você é muito bom e ainda estar sem roupa durante o processo?

    Pois é esse o sexo que temos oferecido às mulheres. Desconfortável, frio e impessoal. 

    E pior: é o que temos ensinados aos homens que é bom.

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