A Explosão no Líbano foi uma das maiores detonações não-nucleares da História, mas será que foi não-nuclear mesmo? Leia e descubra...
A menos que você viva embaixo de uma pedra, e essa pedra fique bem longe de Beirute, você já sabe da Explosão no Líbano, em 4/8/2020. Não há como minimizar, foi uma tragédia como raras vezes se viu em tempo de paz.
Consolidando tudo que se sabe até agora: No final da tarde um incêndio começou no Armazém 12 do Porto de Beirute. Logo houve uma pequena explosão, e alguns segundos depois uma detonação imensa.
Inicialmente as autoridades disseram ter sido uma explosão em um depósito de fogos de artifício, e dada a violência desse tipo de explosão, como a ocorrida de 8/7/2020 em Deyang, China, era uma hipótese plausível, até que se viu a dimensão real da explosão.
Hoje já sabemos que uma sucessão de incompetência, negligência criminosa, burocracia estatal, inércia e jogo de empurra resultou em uma das maiores detonações não-nucleares da História.
A explosão foi sentida a mais de 250Km de distância. Uma cratera de 100m de diâmetro foi aberta, um navio muito próximo foi jogado no ar e caiu em terra firme, um navio de cruzeiro foi jogado contra a doca, e acabou virando.
O porto foi obliterado, só 3% dele sobreviveu. Até o Palácio Presidencial foi atingido, um bairro inteiro foi dizimado. Janelas a 25Km de distância foram destruídas. Sismógrafos registraram um tremor entre 3.3 e 4.5 graus na escala que não é mais Richter.
A causa? Aparentemente em 2013 um navio da Moldávia, m/v Rhosus seguia da Geórgia para Moçambique, quando problemas técnicos fizeram com que ele fosse forçado a uma parada no Líbano. Inspecionado, foi declarado fora de condições de navegabilidade.
Uma série de problemas financeiros fizeram com que os donos abandonassem o navio, e a tripulação. Alguns ficaram morando por um ano no Rhosus antes de conseguir ir para casa.
Ao mesmo tempo as autoridades locais confiscaram a carga, 2750 toneladas de Nitrato de Amônio, uma substância excelente para várias coisas, mas suas duas maiores utilidades são explodir coisas e fazer plantas crescerem.
Por si só Nitrato de Amônio não é perigoso, você precisa desrespeitar um monte de normas técnicas e caprichar na negligência pra fazer o negócio explodir sem-querer.
Foi o que aconteceu. O material, acondicionado em sacas de uma tonelada foi empilhado de qualquer jeito no chão do depósito, sem separação, sem pallets, sem piso anti-estático.
A informação é que havia uma equipe de trabalhadores soldando buracos nas paredes do depósito, para evitar roubo, e isso teria provocado um incêndio. Sendo que fogo por si só não é suficiente para detonar Nitrato de Amônio. Ele na verdade nem é um explosivo, é um oxidante. Você pode literalmente botar fogo que não acontece nada.
O risco é misturar com combustíveis ou substâncias que se oxidem fácil, como metais. E ali você tinha um incêndio em um armazém provavelmente cheio de lixo inflamável, e do lado de um silo gigante de armazenamento de grãos, algo que por si só é muito perigoso, silos explodem toda hora. Sim, casca e poeira de grãos são altamente inflamáveis e geram explosões. Isso provavelmente contribuiu para a intensidade da detonação.
[ATUALIZAÇÃO]
Um funcionário do porto relatou que no armazém, além do Nitrato de Amônio, havia entre 30 e 40 sacas de nylon repletas de... fogos de artifício. Isso mesmo. Os retardados armazenaram de qualquer jeito, no mesmo lugar, as duas coisas que você precisa pra garantir uma explosão.
E foi uma senhora explosão. As tais 2750 toneladas de Nitrato de Amônio possuem uma capacidade explosiva que quando convertida para TNT, equivalem a algo entre 1.1 e 1.2 kilotons.
Beirute foi atingida com a força equivalente de uma arma nuclear de pequeno porte.
O resultado foram 157 mortos, 300 mil desabrigados, bairros inteiros obliterados e 85% do suprimento de grãos da cidade destruídos. No céu eu não sei, mas em Beirute só tem pão pra mais 30 dias.
Israel emitiu comunicados de solidariedade oferecendo ajuda, ao mesmo tempo que esclareceu não ter nada a ver com a detonação. O Hezbollah, uma organização islâmica considerada terrorista por 18 países incluindo a Liga Árabe e que age impunemente no Líbano, com assentos no Parlamento e muito poder político, odeia Israel com todas as forças e também avisou que não via qualquer indicação de que a explosão tinha algo a ver com Israel.
Claro, isso não impediu os analistas de sofá de acusarem Israel, os EUA, Wakanda, sei lá de terem lançado uma bomba no porto. Há até um vídeo ridículo de um drone tipo um DJI da vida soltando algo, mas nada disso bate.
O grande erro dos conspiradores é não conhecer o assunto sobre o qual conspiram.
A maior bomba convencional da atualidade é a FOAB (Father of All Bombs) russa, ela pesa 7 toneladas e é mais ou menos do tamanho da MOAB americana, com 11 metros de comprimento.
A FOAB é uma bomba termobárica, ela cria uma nuvem de combustível misturada com ar que é detonada gerando uma explosão extremamente violenta, comparável a 40 toneladas de TNT.
Uma explosão como a do Líbano exigiria 25 bombas dessas.
Nenhum drone do Universo é capaz de levar uma FOAB.
Absolutamente NADA no arsenal convencional de qualquer país do mundo chega perto de 1 kiloton de potência explosiva. Com potência de 11 toneladas de TNT, os americanos teriam que lançar 90 MOABS para conseguir os mesmos efeitos.
Os conspiradores podem subir vídeos adulterados à vontade, inclusive alguns ridículos aonde invertem a imagem para fingir que é “câmera térmica”; por algum motivo eles acham que mísseis são invisíveis em câmeras normais. Só que nada, NADA convencional seria capaz de uma detonação daquela magnitude.
“Ah, mas alguém não poderia usar um míssil convencional para detonar o Nitrato de Amônio?”
Vejamos. Você teria que descobrir que o material estava armazenado no porto.
Teria que mandar agentes para identificar se o armazenamento era inadequado, e se havia potencial para um acidente catastrófico.
Teria que acertar o armazém com precisão, para causar um incêndio, sem que ninguém visse ou detectasse seu avião.
Teria que repetir o ataque minutos depois, para provocar a segunda e maior detonação.
Isso tudo para... pois é. Não há motivo. Mesmo Israel, que está trocando sopapos com o Líbano, se resume a atacar posições do Hezbollah na fronteira, eles não encostam em um fio de cabelo do povo em Beirute. Um ataque desses não teria nenhum valor estratégico, a única reação seria unir o povo árabe contra Israel em uma forma que não se vê desde 1967 na Guerra dos Seis Dias.
“Mas eu vi no Whatsapp que foi uma explosão nuclear”
Não, lamento. Não gosto de ser portador de más notícias, mas seu tio no Facebook e no ZapZap não sabe do que está falando.
Vejamos alguns motivos para não ter ocorrido uma detonação nuclear no Líbano.
1 – A explosão foi claramente química
A detonação foi bem “lenta”, com a onda de pressão sendo claramente visível em sua formação. As nuvens alaranjadas formadas são exatamente da cor esperada por compostos de amônia resultantes de uma detonação dessas.
Também não foram detectados efeitos típicos de uma detonação nuclear, como o flash de luz de extrema intensidade e a imensa onda térmica. Compare com uma explosão nuclear de 1kt:
Uma detonação dessas emite uma imensa quantidade de energia na forma de radiação térmica, os danos não seriam somente causados por pressão, mas haveria milhares de incêndios, com coisas e pessoas sendo incineradas nas proximidades. Num raio de quase 1Km todo mundo morreria de envenenamento radioativo.
2 – Não há radiação no local
Pois é. Um bom indicativo de uma explosão nuclear é a presença de radiação, ninguém detectou nada de anormal, eu garanto, GARANTO que qualquer apito extra num contador Geiger colocaria uns 20 governos mundiais em alerta máximo. A ideia de terrorismo nuclear tira o sono de muita gente.
3 – Nuvens de cogumelo não são exclusivas de detonações nucleares
As pessoas insistem nessa bobagem, mesmo vendo incontáveis explosões convencionais.
Nuvens de cogumelo são uma característica de toda explosão de grande porte, não tem nada a ver com a origem da detonação. É apenas uma coluna de ar de baixa densidade que é forçada para cima, até atingir uma região em que ela se torna mais densa que o ar à sua volta. Isso faz com que vórtices sejam criados, a coluna se espalhe e o cogumelo seja formado.
Essa detonação em um paiol na Sibéria, em 2019 é muito mais “nuclear” do que a explosão no Líbano, mesmo sendo igualmente produzida por explosivos convencionais.
4 – Uma explosão não precisa ser nuclear para ser grande.
Acidental ou proposital, a lista de explosões de grande porte é (tristemente) imensa. Algumas superiores mesmo a testes nucleares.
Em 1965 na Operação Sailor Hat 454 toneladas de TNT foram detonadas, para testar os efeitos de uma explosão nuclear em navios, sem precisar lidar com radiação e outros incômodos.
Em 1987 um teste chamado Misty Picture usou 4685 toneladas de Nitrato de Amônio e Diesel (uma combinação chamada ANFO) para produtor uma detonação equivalente a 3.9 kilotons.
Em 1945 os ingleses resolveram dinamitar uma ilha no Mar do Norte chamada Heligoland, que havia sido usada pelos nazistas como base de submarinos. Eles encheram o local com 4000 toneladas de munição, e a explosão foi equivalente a 3.2 kilotons.
Absolutamente NINGUÉM fora malucos de Internet cogitam a hipótese nuclear no caso da explosão no Líbano, mas esse acidente serviu para trazer à tona dois assuntos muito importantes.
1 – Terrorismo Nuclear
Ainda não aconteceu, mas cedo ou tarde algum shithole com armas nucleares vai perder ou vender para quem pagar mais caro uma ogiva de pequeno porte, coisa simples, alguns kilotons. Quem vender terá a ilusão de que não será rastreado, e quem comprar terá a ilusão de que seu grupo terrorista não será caçado até o último homem.
Sim, é claro que não é uma ideia inteligente, mas sujeitos que usam uniformes de C4 não são naturalmente muito inteligentes, e em algum momento um artefato desses será detonado em alguma grande cidade. A Explosão no Líbano nos deu uma amostra bem por baixo, bem leve de como será o efeito.
2 – Armas Nucleares de Baixa Potência
Desde os Anos 50 existe a ideia de que é possível usar armas nucleares pequenas, sem que o conflito degringole em uma guerra total termonuclear. É a lógica de que um grupo de tanques está avançando, então você os ataca com um Canhão Nuclear M65 Atomic Annie, ou uma bazuca nuclear Davi Crockett.
Agora essa ideia voltou, e o Homem Laranja Malvado ordenou que fosse produzida uma variação da ogiva W76, a W76-2, com capacidade de “apenas” 7 kilotons. Essa ogiva já está operacional.
A ideia é que se acontecer um conflito, os russos usariam inicialmente armas nucleares de baixa potência, SE os EUA tivessem armas iguais, do contrário os americanos só poderiam retaliar com ogivas bem mais potentes, então os russos prefeririam começar com as grandes também.
É uma doutrina idiota. Como demonstrado pela explosão no Líbano, não existe arma nuclear de baixa potência, qualquer uso causará destruição em massa e provocará retaliação imediata.
E mais: A simples existência dessas ogivas menores já é um risco inaceitável, pois líderes políticos e militares se sentirão muito mais tentados a usá-las, afinal são “pequenas”.
Conclusão:
- Uma tragédia de proporções históricas aconteceu no Líbano.
- Tudo aponta para uma imensa hagada motivada por preguiça burocracia e desleixo.
- NADA aponta para qualquer tipo de ataque.
- Nenhuma bomba convencional ou nuclear causaria aquele tipo de explosão.
- Não acredite no Facebook ou no Zapzap.
- Armazene seu nitrato de amônio seguindo as instruções corretas e nada vai acontecer.
- Não se preocupe, pois, algo assim jamais poderia acontecer no Brasil; nós somos responsáveis, eficientes, seguimos protocolos de segurança e fiscalizamos corretamente e constantemente todo armazenamento de cargas perigosas.
PS: Uma das afirmações acima é mentira.
PS2: Há um boato nas interwebs de que a Explosão no Líbano foi obra da China, para prejudicar o Bolsonaro, entretanto não há muitas evidências apontando pra esse caminho. Aguardemos.
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