Era um desses testes de internet. Talvez uma colega de trabalho tenha compartilhado ou um amigo enviou, não se lembrava direito. Mas quando ela abriu o link despretensiosamente no celular a pergunta a encarou: “Como você se sente em relação ao seu corpo?”. Acho que ela não estava preparada para esse questionamento. Não naquele momento. Numa terça-feira, depois de um dia inteiro de trabalho, dentro do transporte público, a caminho de casa. “Como me sinto em relação ao meu corpo?”, começou a se perguntar.
Olhou para os lados. Corpos de todos os tipos. Magros, compridos, gordos, pequenos, quadrados, redondos, curvilíneos, pretos, claros, firmes. Mulheres risonhas, mulheres tristes, mulheres conversando, mulheres coloridas, mulheres quietas, muitos tipos delas. “Como será que elas se sentem em relação aos seus corpos?”. Teve certeza que a resposta da maioria seria “insegura”.
Assim como quase todas as outras, ela foi criada para sentir vergonha, para disputar com as amigas, para competir com as mulheres da TV. Ser tão linda quanto uma modelo. Ser bonita tão naturalmente quanto uma jovem atriz. Ficar linda sem maquiagem. Fazer bonito na praia. Ficar deslumbrante de camiseta branca e calça jeans. Atrair olhares por onde passa. Ser expansiva, sorridente, simpática, depilada, cheirosa, meiga, recatada, submissa. Ela nasceu para ser perfeita.
Se olhou no reflexo das janelas do metrô. Pensou que há alguns anos não tinha dobrinhas na barriga. Seu corpo era mais firme, os braços finos, a pele mais vibrante. O cabelo antes era liso, talvez pintado de loiro ou ruivo, não lembrava. A bunda era mais empinada. Tudo bem, nunca foi tanto, mas era mais do que hoje. Os olhos continuavam os mesmos. Atentos, brilhantes, fortes. Olhou fixamente para eles no reflexo. Viu uma mulher que nos últimos anos deixou de ser submissa, que tomou as rédeas da sua vida, passou a se amar mais, a se entender melhor, a saber do que gostava e do que não fazia questão. Viu uma mulher que está num processo de se tornar dona do seu corpo e a cada dia se sentir mais confortável na sua pele. Viu uma mulher que compartilha suas incertezas com outras mulheres, que vê nelas irmãs de luta e que entende que somente juntas podem caminhar. Olhou para alguém que vê o sagrado no seu corpo, que se cuida, entende seu poder e sabe que só ela mesma pode fazê-la feliz. Viu uma mulher imperfeita. E a sensação não era de tristeza.
Ela sorriu, sozinha, vendo sua figura e sentindo o balanço do metrô nas suas curvas. Sentiu seu corpo, sentiu conforto na sua pele, se sentiu linda e forte, como nunca tinha experimentado antes com tamanha firmeza.
Pegou o celular e voltou para onde tinha parado. Releu a pergunta: “Como você se sente em relação ao seu corpo?”. A resposta nunca vai ser simples, mas ela se permitiu, pelo menos hoje, escolher uma opção que há pouco ela nem cogitaria: “Me sinto incrível”.
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