Movimentos que discutem a legalização da maconha crescem ao redor do mundo, inclusive no Brasil, pautando-se por argumentos persuasivos e coerentes tanto entre quem defende quanto entre quem repudia o seu uso descriminado. Interessa-me, aqui, analisar tais argumentos em termos de contexto brasileiro, analisando-os com base na dinâmica peculiar de nossa sociedade.
Em seu favor, a maconha conta, como apontam muitos defensores, com uma forte característica, digamos, “natureba”, por tratar-se de um composto isento de vários produtos químicos que impregnam o cigarro, por exemplo, não sendo mais nocivo do que o álcool. Questiona-se, com isso, o porquê da descriminação do cigarro e do álcool e não da erva, que aparentemente é menos perigosa à saúde do usuário. No entanto, embora esteja menos atrelada a causas de doenças, estudos efetuados pelo National Institute on Drug Abuse apontam que uma a cada seis pessoas que começam a fumar maconha na adolescência passam a apresentar sintomas de dependência. Ou seja, a faixa etária mais vulnerável é exatamente aquela que mais busca experimentações e transgressões da norma, por ser típico dessa idade, e seria a mais prejudicada com o uso descriminado e indiscriminado da droga.
Outra vertente solidária à causa apóia-se em argumentações que evidenciam a economia aos cofres públicos que a legalização da maconha traria, no tocante às administrações penitenciária, policial e jurídica - relatório de Harvard indica que os Estados Unidos economizariam US$ 7 bilhões por ano com o fim da repressão à droga. Dessa forma, o dinheiro gasto na repressão poderia ser revertido em campanhas educativas, em educação e saúde, por exemplo. Até que poderia, mas um olhar rápido no panorama das políticas públicas brasileiras dificilmente nos compele a crer na injeção de tais recursos nas áreas sociais carentes, em favor da qualidade de vida da população em geral. Quanto dessa grana toda, após se desviar pelo caminho entre o destinatário e o destino, numa jornada maculada de corrupção e propinagem, chegaria ao ponto final? Creio que muito pouco.
Há, ainda, quem defenda os benefícios médicos que os canabinóides naturais ou sintéticos, cuja substância psicoativa é o THC, encontrada nas plantas do gênero Cannabis, apresentam, tais como na ajuda ao combate dos sintomas do glaucoma, da anorexia, sendo também útil no tratamento de náuseas, dores crônicas, inflamações, epilepsia e esclerose múltipla. Essa argumentação, entretanto, acaba não se sustentando - e, nesse caso em especial, eu o lamento -, uma vez que a grande maioria dos usuários não a consome com fins terapêuticos e sim recreativos. Além disso, paralelamente à regulamentação do uso medicinal da maconha, sobreviveria, firme e forte, o seu uso ilegal; sendo assim, a medida não chegaria a impactar positivamente sobre a criminalidade, a lotação das prisões e a perda de vidas atreladas à droga.
Penso que as lutas constantes que moveram - e movem - a humanidade e os homens, impulsionando os avanços sociais e a conquista de direitos imprescindíveis à cidadania estiveram, de uma ou de outra forma, atadas à busca por independência, seja na emancipação das antigas colônias, no reconhecimento de categorias sociais ou na exigência de igualdade de direitos dos sujeitos históricos, cada vez mais lúcidos e confiantes de si. Estranha-me, por isso, o fato de muitas vezes querermos lutar por algo que implica menos conquista do que retrocesso, como no caso da legalização da maconha, quando se clama pelo direito de se tornar dependente, pelo direito de fugir à realidade sem comando próprio, pelo direito ao amortecimento dos sentidos.
Muitos certamente alegarão que defendem a legalização da maconha em favor da liberdade de escolha dos indivíduos – um direito irrefutável, dirão. Não creio, todavia, que seja positivo termos a liberdade de optar por algo que possa trazer consequências lesivas ao nosso bem estar e contribuir para o esgarçamento social que nos permeia. Assim como não acho que adolescentes em formação tenham consciência formada, a ponto de levar em conta os riscos antes de agir, principalmente quando estão em grupo. Por outro lado, tenho certeza de que a descriminação da droga seria tranquila, caso tivéssemos sido efetivamente educados e conscientizados acerca do assunto, para enfrentá-lo com sobriedade - e não o contrário.
É preciso, portanto, falar sobre as drogas, abertamente e com conhecimento de caso. Ficarmos calados sobre um assunto não o torna inexistente, posto que o mesmo segue entremeado de inverdades que só danificam a elucidação sobre o que de fato aquilo tudo significa. Precisamos conversar com nossos filhos sobre a maconha, a cocaína, o álcool, o crack, o ecstasy, precisamos tratar desses assuntos com nossos alunos, debatê-los corajosamente em todas as mídias, tornando claras as respectivas implicações, antes de pensar em recriminar ou descriminar tão somente com base em conteúdos puramente emocionais, vazios de objetividade e conteúdo. Enfim, sou idealista o bastante para afirmar que a cultura, o conhecimento, os descobrimentos de si mesmo e os deslumbramentos com as verdades da vida é que deveriam entorpecer nossos sentidos, e não qualquer outra substância química, pois então não precisaríamos escapar a uma realidade que nos vandaliza e diminui, a ponto de termos de nos esconder sob amontoados de grifes, pílulas e músculos, desviando-nos das fofocas casuais, mortificados frente às lutas diárias diante do desprezo dos governantes.
Que a maconha é menos nociva à saúde do que outras substâncias comercializadas legalmente, é fato. Que muitas pessoas conseguem consumi-la sem que se viciem a ponto de perder os referenciais da vida, também o é. Assim como sei que mantê-la na ilegalidade traz muito lucro a determinados segmentos e contribui ao aumento da violência. Da mesma forma, não dá para negar que se posicionar contrariamente ao assunto, com uma latinha de cerveja na mão, cheira a hipocrisia. Mesmo assim - e esse talvez seja somente o ponto de vista de um sonhador -, deveríamos, absurdamente, ansiar por uma paz interior que liberta e redime, em vez de buscá-la em substâncias externas - aí incluídas todas as drogas, legais e ilegais - que entorpecem, alucinam e aprisionam.
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