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    domingo, 9 de agosto de 2020

    Lições da pandemia: Aprender a pensar como um epidemiologista

    Foto: Getty Images
    Antes de mais, recorde-se que as verdades dadas como absolutas acabam muitas vezes, e mais depressa do que se julga, por serem muito, muito relativas


    Parece uma crítica, mas é o mais honesto dos conselhos nos tempos que correm. Afinal, como bem sabemos o conhecimento científico está em constante mutação e isso, nestes tempos de Covid-19, é uma verdade mais que absoluta.  
    Por exemplo, no início da pandemia, a transmissão do SARS CoV-2 pelo ar não era considerada de todo provável. Até que surgiram outras evidências. E no início de julho, a Organização Mundial da Saúde acabou por admitir que aquele pode ser um meio de infeção. Especialmente em ambientes fechados. Ou seja, a verdade passou a ser outra e o conselho daquela organização também mudou. 
    A esta lógica chama-se análise bayesiana, em homenagem a Thomas Bayes. Trata-se de um pastor presbiteriano e matemático inglês do século XVIII, que procurava avaliar certezas e incertezas em termos de probabilidade. As ideias do reverendo Bayes, expostas em “Um Ensaio para Resolver um Problema na Doutrina das Oportunidades”, foram publicadas já postumamente em 1763. Mas, séculos depois, o método bayesiano, está no centro de vários modelos da epidemiologia e outros campos científicos.  
    Os desafios de uma doença nova 
    Esta é a base daquilo a que o New York Times chamou “como pensar como um epidemiologista”. Como Marc Lipsitch, um especialista em epidemiologia de doenças infeciosas de Harvard, observou, no Twitter, trata-se de uma lógica que está muito próxima do que poderia ser a definição de racionalidade. Ou seja, à medida que aprendemos mais, as nossas crenças devem mudar. “Nem devemos ficar imunes a novas informações, nem privilegiar demais a última coisa que aprendemos. O que o raciocínio bayesiano faz é integrar o que pensávamos anteriormente com a mais recente informação e avançar para uma conclusão que incorpora os dois aspetos, de forma equilibrada”, sublinha aquele epidemiologista.  
    Perante uma nova doença como a Covid-19 e com todas as incertezas que traz, há agora um interesse imenso em definir novamente os parâmetros do modelo: qual o número básico de reprodução, ou seja, a taxa de novos casos? Quão mortal é? Mas para responder a isso, garante ao NYT Natalie Dean, professora assistente de bioestatística da Universidade da Flórida, não adianta tentar estabelecer números fixos. “Devíamos concentrar-nos menos em encontrar a verdade e mais em estabelecer um equilíbrio razoável. E reconhecer que o verdadeiro valor pode variar, consoante o campo – e a perspetiva… – da análise. “A análise bayesiana permite incluir a variabilidade de uma forma clara e, depois, propagar essa incerteza através do modelo” 
    IGP [CPS] WW
    Uma aplicação didática deste teorema é o que revelam os testes serológicos da doença – que procuram a presença de anticorpos contra o vírus. Todos os testes são imperfeitos, já se sabe, e a precisão desta análise requer muitos fatores, incluindo a prevalência e a raridade da doença. Daí que, por exemplo, o primeiro teste de anticorpos ao SARS-CoV-2 que foi aprovado pela FDA, a agência americana para a segurança alimentar e do medicamento, parecia estar errado tantas vezes quanto estava certo. Mas ao aplicar-se o teorema de Bayes, tornou-se possível avaliar o que realmente se deseja saber: a probabilidade de o resultado do teste estar correto.  
    A lógica da incerteza 
    A palavra agora a Joseph Blitzstein, especialista em estatística em Harvard, que investiga a utilidade da análise bayesiana, no popular curso “ Statistics 110: Probability “. E que avisa logo ao que vem, na primeira aula: “A matemática é a lógica da certeza e a estatística é a lógica da incerteza. Todos nós temos dúvidas. Quando alguém tem cem por cento de certeza sobre tudo, é de desconfiar que há ali algo errado”.  
    Na quarta aula, Blitzstein chega então ao teorema de Bayes, o seu preferido – porque é matematicamente simples, mas conceptualmente poderoso. “Literalmente, é apenas uma linha de álgebra”, disse Blitzstein. Como quem diz: expressa a probabilidade P de algum evento A acontecer, dada a ocorrência de outro evento B. “Ingenuamente, poderemos recear que não se alcance grande coisa com isto. Mas a verdade é que, seguindo esta linha de raciocínio, o seu alcance é incrivelmente profundo e aplicável a praticamente todo os campos da investigação – das finanças à genética, da ciência política à história”, remata.   
    Assim, a abordagem bayesiana é aplicada tanto na análise das disparidades raciais no policiamento (avaliando as suas decisões durante uma manifestação, por exemplo) como nas operações de busca e salvamento (a área de busca diminui à medida que se conhecem novos dados). Daí que os filósofos afirmem que a ciência como um todo é um processo bayesiano – tal como é o senso comum.  
    Humildade e mente aberta
    Tudo isto ajuda a explicar que muitas das informações que orientam o nosso comportamento no contexto da Covid-19 são probabilísticas. Por exemplo, segundo algumas estimativas, se formos infetados pelo coronavírus, temos um por cento de hipóteses de morrer. Mas a realidade é que a probabilidade de cada um tem uma enorme variação, dependendo da idade e de outros fatores.  
    “Para algo como uma doença, a maioria das evidências é geralmente indireta, e as pessoas têm muito mais dificuldade em lidar informações probabilísticas explícitas”, avaliza a psicóloga Alison Gopnik, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Isto para dizer que, mesmo perante todas as evidências, rever e atualizar as nossas convicções não é tarefa fácil. Até para a comunidade científica. Veja-se o que passou para atualizar a informação sobre a transmissão assintomática da Covid-19, quando surgiram as primeiras evidências disso e de como o uso generalizado de máscaras seria uma medida preventiva muito útil.  
    “Os problemas surgem quando não nos atualizamos”, assinala David Spiegelhalter, estatístico e presidente de um centro de investigação na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. “Acabamos por reagir mal e resistir ao que não confirma as nossas convicções”, acrescentando que há técnicas para compensar os défices bayesianos. Por exemplo, Spiegelhalter gosta muito de uma abordagem conhecida por Lei de Cromwell – que remonta a 1650, quando Oliver Cromwell, Lorde Protetor da Comunidade da Inglaterra, escreveu, numa carta à Igreja da Escócia: “Peço que, nas entranhas de Cristo, pensem que é possível que estejam enganados”. Ou, por outras palavras, o ideal é manter a mente aberta. “Também lhe podemos chamar uma espécie de humildade modeladora. Que é pensar sempre que podemos estar errados”.  
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