Não queremos estar tristes. A tristeza está associada ao sofrimento e, por norma, este é um hóspede que queremos despachar de casa rapidamente. O filme de animação «Divertida Mente», nos cinemas no verão de 2015, ilustra-o bem. As emoções dentro da cabeça de uma menina de 11 anos são retratadas de forma muito diferente. A alegria é atrativa, esbelta, brilhante e colorida. Já a tristeza é cinzenta, lenta e gordinha.
Toda a gente acha que não serve para nada e o melhor é que fique escondida para não causar problemas. O retrato corresponde bem ao que se passa na sociedade atual, disse-nos o psicólogo Vítor Rodrigues, em entrevista. Tendemos a não assumir que estamos tristes e, pior ainda, não nos permitimos estar tristes. O consumo de antidepressivos continua a subir e as livrarias estão cheias de livros que ensinam o caminho rumo à felicidade e ao sucesso.
Estar triste é falhar. No entanto, tal como o filme da Pixar ilustra, os problemas tendem a multiplicar-se quando o papel da tristeza é desvalorizado. Não só ela tem um papel essencial no equilíbrio emocional, como nos pode abrir as portas para níveis de profundidade e criatividade onde a alegria não chega.
Há uma tendência atual para desvalorizar a tristeza?
Diria que sim. Vivemos numa sociedade intensamente consumista e hedonista onde a ênfase é colocada na alegria, na agitação, no prazer, e onde se procura evitar desprazeres como a tristeza.
De onde vem esta obsessão com a felicidade?
Julgo que tem a ver com o tipo de valores e pseudovalores com que vamos sendo bombardeados. Cultiva-se uma espécie de felicidade pateta-alegre em que ter muitos prazeres, rir muito, andar agitado, entretido (e, muitas vezes, alienado de si mesmo) e distraído é a referência. Algo que convém às empresas interessadas em promover o consumismo desenfreado…
Para que serve a tristeza e o que podemos aprender com ela?
Como outras emoções, parece ter uma função sensorial. Fornece uma reação imediata a acontecimentos internos ou externos ao organismo, serve como avaliação deles e predisposição para agir de algum modo. Só que, no caso da tristeza, trata-se de uma emoção que nos interioriza e que, de certo modo, nos obriga à introspeção, é contrária à impulsividade.
Faz-nos parar para pensar e tentar perceber melhor o que sentimos e porquê. Recusá-la implica, muitas vezes, fugir para a frente e mergulhar em distrações alienantes na tentativa de evitar tomar consciência de que temos mesmo um problema. Além disto, todas as emoções podem acentuar a consciência e a consciência é fundamental em qualquer definição do que significa ser humano.
Terá a tristeza um valor evolutivo?
Outros animais ficam tristes mas as lágrimas de tristeza parecem ser uma característica humana. Encontramos manifestações de tristeza nos animais mais evoluídos, também ligadas, por vezes, a perdas, sentimentos de impotência, por exemplo. De modo geral, o sistema emocional é também um sistema de expressão e de comunicação.
Manifesta as nossas tendências de ação e informa os outros acerca delas. Nesse sentido, parece ter um evidente valor evolutivo. Se um animal indicia expressões agressivas, sabemos que pode ser perigoso. Se manifesta tristeza, sabemos que pode precisar de apoio…
A fuga à tristeza será algo natural ou aprendido?
A tristeza está classificada, com provas científicas esmagadoras, como sendo uma das nossas emoções naturais, tal como a alegria. Por isso, necessariamente, evitar a tristeza será algo aprendido. No entanto, uma coisa é evitar a tristeza e outra aprender a lidar com ela. Suprimir emoções não é a única nem a melhor maneira de geri-las.
Na sua opinião, nascemos melancólicos ou tornamo-nos melancólicos?
Aparentemente, há pessoas mais dadas à melancolia do que outras, do mesmo modo que se consegue encontrar, em bebés recém-nascidos, padrões de comportamento que correspondem ao que chamamos temperamentos.
No entanto, boa parte do nosso modo de ser é construído progressivamente em relação com os acontecimentos da vida, o modo como nos afetam e como os interpretamos. A tendência melancólica pode já nascer connosco também pode ser desenvolvida ou acentuada, ou atenuada ao longo da vida.
Que problemas podem vir da negação da tristeza?
Evitar emoções é algo fatalmente votado ao fracasso. Na minha experiência clínica, diria que ninguém esquece realmente as emoções, apenas tenta negar o acesso consciente a elas. E isso pode contribuir para perturbações psicossomáticas, por exemplo, porque as tripas não esquecem. Evitar reconhecer a tristeza também implica, muitas vezes, perdermos contacto connosco mesmos, conhecermo-nos pior, sermos menos autênticos, perdermos a oportunidade de melhorar.
Qual a melhor forma de gerir todo este processo. Deveremos canalizar as emoções como fazem os artistas?
Pode ser uma boa ideia. De certo modo, as emoções fornecem-nos uma espécie de combustível psicológico e podem ser canalizadas para a arte ou outras atividades. Aprender a geri-las é também aprender a gerir, em parte, a nossa energia psíquica. Além disso, podemos aprender a tomar distância face às emoções, a desidentificar-nos delas e a retirar-lhes o poder tirânico sobre nós. Tudo isso pode ser conseguido com treino apropriado.
O que nunca devemos fazer perante a tristeza? A nossa e a dos outros…
Tentar negá-la, bloqueá-la ou, pelo contrário, identificarmo-nos com ela e deixarmo-nos mergulhar e afogar nela. A tristeza, como todas as outras emoções, pode ajudar-nos a ganhar consciência mas não se deve tornar toda-poderosa.
Tristeza não é depressão
– A depressão é uma perturbação que tem a tristeza como um dos indicadores mais frequentes, mas pode haver, felizmente, tristeza intensa sem depressão.
– A depressão envolve quase sempre uma constelação de sintomas como perda de apetite, perda de iniciativa, desmotivação, irritabilidade, perturbações do sono, ansiedade ou apatia.
– A depressão, geralmente, impede-nos de funcionar de modo adaptado. Não conseguimos dormir, não conseguimos trabalhar, perdemos concentração, consideramos o suicídio, perdemos o sentido de humor, deixamos de conseguir apreciar uma boa refeição ou um passeio com amigos. Nesse caso, é fundamental pedir ajudar especializada.
Viva a melancolia
O pintor Van Gogh descreveu as suas angústias existenciais em várias cartas mas a sua inquietude alimentou a sua arte. O filósofo dinamarquês Kierkegard confessou, nos seus diários que, por vezes, sentia beatitude na melancolia e na tristeza. Goya, Emily Dickinson, Marcel Proust, todos eles eram melancólicos, conta Eric G. Wilson no livro «Contra a Felicidade – A Favor da Melancolia», publicado pela editora Estrela Polar.
Para este autor, «a tristeza é a força que subjaz às ideias mais criativas». Aquilo que a maior parte das pessoas toma por satisfação não passa, defende Wilson, de uma morte em vida, e o que a maioria encara como depressão é uma força vital. «Chegou a altura de quebrar as grilhetas do otimismo e de saborear a neura que nos torna humanos», diz. Nada como experimentar. Da próxima vez que a tristeza bater à porta, convide-a a entrar e a tomar chá.
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